Sem descer de sua montaria, Gullian aproximou-se do grande portão do castelo. Sobre a superfície da madeira escura, envelhecida e úmida, a magia marcava com a cor branca o emblema que todos na vila sabiam ser de Higuro. Tal símbolo fazia referência à criatura divina do mago, o gigante ciclope. O grande olho localizava-se entre as duas orelhas e acima de uma pequena boca. Parecia olhar para o céu. Uma figura simples, porém mística. Ela deixava claro para todos os que se aproximavam da fabulosa construção quem era o mago que o possuía.
Do lado direito do portão havia uma estátua, a cabeça de um leão rugindo em silêncio. A tocha que Gullian segurava foi colocada dentro da boca da fera. Seus olhos ocos iluminaram-se, não pela chama, mas sim por mágica.
— Pronto. Higuro sabe que estamos aqui — afirmou Gullian para o companheiro.
Instantaneamente, o gigante portão começou a se elevar. Fargus teve de controlar Flecha, que se assustou. O barulho de correntes correndo e da madeira rangendo era ensurdecedor. Fargus acompanhou o símbolo de Higuro sendo oculto enquanto subia. Era engolido pela parede de pedra dos elevados muros que contornavam o castelo. Com um estrondo, o portão fixou-se no alto.
— Vamos! — chamou Gullian num sussurro.
Fargus observava desconfiado. Dirigiram-se a uma porta por onde se via uma luz escapando pelas frestas. Desceram dos cavalos e prenderam as rédeas destes a uma velha carroça que parecia não ser utilizada havia anos.
Gullian seguia na frente. Aproximaram-se de uma antiga porta. Entraram. Diversas estátuas de cavaleiros guardavam o corredor; as tochas presas no alto iluminavam o caminho entre as paredes úmidas, e as velhas teias de aranha, presas aos cantos, dançavam com a passagem do vento.
Subiram um lance de escadas, chegando a um aposento mal iluminado. No chão estava desenhado um bonito e gigante octógono cheio de detalhes nas bordas. Quatro figuras da Lua beiravam o polígono de oito lados, e no centro da figura geométrica, abaixo dos pés de Higuro, o desenho de um Sol iluminava algumas estrelas.
O velho de pele, cabelo e barba brancos vestia um longo manto cinza que possuía a mística insígnia do ciclope pintada na altura do peito. Com a cabeça erguida, o mago fitava o teto.
Fargus olhou para cima e não acreditou no que viu. Era como um poço largo, cheio de água e quase transbordando, porém, o líquido não caía, a gravidade agia inversamente, segurando-o no teto. Não havia reflexo, somente uma luz vinda do fundo do misterioso poço.
— Olá, valentes guerreiros! — saudou Higuro, com sua voz imponente e rosto austero, desviando seus olhos escuros do poço iluminado diretamente para os guerreiros. — O que os traz aqui quando não podem contar com a ajuda da luz do Sol para guiar seus passos?
Gullian aproximou-se do mago e respondeu:
— Olá, Higuro. Tenho algo a lhe dizer, e achei que seria importante informá-lo logo.
— Então diga o que o preocupa — pediu Higuro, gentilmente.
Pela aparência do mago, Fargus percebeu que ele desfrutava de plena saúde física.
— Já ouviu falar no mago negro?
— Não. Quem seria esse?
— Um mago que acabou de tomar posse dos territórios do seu vizinho Odero.
— Ele derrotou Odero? — indagou Higuro, incrédulo. — Odero é um mago muito poderoso. Não creio que isso tenha realmente acontecido.
Vendo que Gullian continuava com uma expressão segura em seu rosto, Higuro perguntou:
— Como descobriu isso?
— Por acaso. Encontrei um humano que se arrastou da vila de Odero até o limite da floresta. O sobrevivente chamava-se Zanto. Após a vitória desse mago desconhecido sobre Odero, ele matou todos os humanos que habitavam suas novas terras, e esse homem, mesmo moribundo, conseguiu me relatar o acontecido antes de perecer.
— Não que eu duvide de você ou desse homem, Gullian, mas tenho de verificar isso com meus próprios olhos. Talvez haja algum engano.
Higuro virou-se para a janela do outro lado do aposento, e disse:
— Malcom? Por favor, traga-me o Relógio do Passado.
Gullian e Fargus nem sequer haviam percebido a presença do aprendiz de Higuro. Um jovem de vinte anos de idade. Alto e magro. Dono de um rosto fino, cabelo ruivo e curto. A pele clara misturava-se com o cinza de seu longo manto, que no escuro do ambiente camuflava-o junto à parede de pedra do castelo.
Fargus, de forma bastante perspicaz, percebeu que o jovem pôde herdar de seu mestre a cor das vestes, mas o símbolo relacionado à criatura divina, certamente ele só poderia pintar na altura de seu peito quando conquistasse a sua própria criatura.
— Claro, Senhor. Irei buscá-lo — respondeu o prestativo jovem de olhar pacífico.
Enquanto Malcom subia as escadas, deixando o aposento para trás, Higuro encontrou novamente os olhos de Gullian e murmurou:
— Não pode ser verdade. Odero é um mago muito poderoso.
— Eu gostaria de acreditar que o homem que encontrei fosse apenas um louco perdido na floresta, mas pude ver o quanto ele estava machucado. Em seus olhos, o medo e a angústia estavam evidentes. Ouvi seu relato sobre como o assassino atacou os moradores de sua vila. Ele não pode ter inventado tudo aquilo — disse Gullian, olhando para o vazio, ao relembrar o que ouvira do falecido.
— O Relógio do Passado permitirá vermos exatamente o que aconteceu com Odero. Assistiremos atentos e, caso isso tudo seja verdade, vamos nos precaver para não deixar acontecer o mesmo em nossas três vilas.
Gullian e Fargus apenas assentiram calados.
Malcom apareceu com um pequeno relógio de bolso na mão e o entregou a Higuro. Rico em detalhes, o artefato mágico tinha uma fina corrente prateada presa em sua estrutura.
Fargus jamais tivera a oportunidade de ver o que Higuro involuntariamente mostrava a ele naquele momento. Quando o mago levantou as mãos para pegar o objeto que Malcom entregou a ele, o guerreiro percebera nas costas e na palma das mãos de Higuro o estigma que o vinculava ao ciclope gravado em sua carne. Era como uma tatuagem delicadamente desenhada. Mas, como Gullian já havia lhe explicado, gravado pelos deuses no momento em que Higuro conquistou sua criatura divina e passou a dominá-la. O estigma comprovava o vínculo do unóculo ser com seu mestre.
Higuro olhou para os três e disse, pesaroso:
— Acredito que não vamos gostar do que veremos, mas temos de aceitar isso como um aprendizado. Lembrem-se, vamos apenas assistir a algo que já aconteceu. Não há nada que possa ser feito sobre acontecimentos passados.
Higuro puxou para fora o pequeno botão ao lado do relógio, girou algumas vezes seus ponteiros e o empurrou novamente para dentro. As mãos de Higuro brilharam junto ao objeto e um constante tique-taque preencheu o vazio do aposento.
A sala onde estavam foi gradativamente sumindo e, aos poucos, os quatro estavam observando um velho, dono de grandes olheiras e totalmente calvo. Usava um longo manto azul, enquanto lia calmamente sentado sobre uma confortável poltrona em uma ampla sala iluminada pelo Sol. Em suas mãos, o estigma da cabeça de uma serpente com a língua de fora estava gravado em sua carne. Assim como a de Higuro. Fargus notou que a figura que representava a criatura de Odero tinha os traços simples e, ao mesmo tempo, cheios de misticismo.
Subitamente, uma explosão. O aposento tremeu. Odero largou o livro e levantou-se rapidamente. O manto esticou-se e a insígnia de Odero apareceu no centro de seu peito. Olhou pela janela.
Do lado de fora do castelo, encontrava-se uma bizarra criatura, que deveria ter nove metros de altura e, ao seu lado, um homem coberto por um manto negro e com o rosto oculto por um capuz observava calmamente o ser ao seu lado preparar outra bola de fogo para lançá-la.
— Mas... quem será ele? — questionou-se Odero, quase fechando os olhos ao forçar a vista para tentar identificar o símbolo desenhado no peito do mago que o atacava.
Lá fora, a criatura que possuía a cabeça de um javali e o corpo parecido com o de um humano troncudo realizava movimentos estomacais, parecendo enjoado com algo. Pela longa boca, a criatura regurgitou uma bola de fogo, que voou diretamente para a janela onde Odero se localizava.
Odero correu, jogando-se para o lado. A forte parede de pedra explodiu com o violento impacto. O velho levantou-se confuso e correu para as escadas, enquanto as chamas queimavam as antigas mobílias da sala.
Enquanto Odero deixava o castelo, uma nova bola em chamas vomitada pelo monstro chocou-se com outra parte da antiga construção.
Odero correu para uma área mais ampla e parou no meio dela. Concentrou-se para liberar energia espiritual. Mentalmente, pensou nas palavras mágicas que invocaria sua criatura divina. Com as mãos, desenhou um arco no vazio à sua frente, e ordenou que sua criatura aparecesse. O feitiço para evocação de criaturas divinas, o portal divino, havia sido executado.
— Vamos... preciso da sua ajuda novamente — murmurou Odero, enquanto os símbolos desenhados em sua carne se iluminavam sensivelmente.
Um enorme portal negro surgiu, e de dentro dele, uma serpente albina de dezoito metros de comprimento, coberta por espessas escamas alvejadas, arrastou-se, parando na frente de seu mestre. Os olhos, que pareciam grandes esferas de água congelada, fitaram Odero.
— Conto com você, bela criatura!
As estigmas de Odero brilhavam, e assim ficariam até que a serpente albina fosse enviada de volta à terra dos deuses.
Odero olhou para o enorme portão que guardava a entrada do castelo e, com um simples gesto, o fez se abrir utilizando sua magia. O estranho agressor vestido de preto notou a abertura do portão que continha o símbolo de Odero pintado na espessa madeira e apenas aguardou. Odero saiu do castelo acompanhado de sua criatura divina e, com outro gesto, fez o gigante portão se fechar novamente.
Imóvel, o mago vestido de negro aguardava os movimentos de Odero, que se aproximava escoltado por sua gigante serpente para olhar seu desconhecido inimigo mais de perto.
Odero percebeu que, além do manto negro, o mago encobria o rosto com uma máscara lisa e cinza. Mesmo encoberta pela sombra produzida pelo longo capuz, Odero notou que os buracos dos olhos da máscara eram finos e envergavam-se ondulados para cima, não havia formas para a boca ou nariz. A simples máscara causou em Odero uma estranha inquietude. Na altura do peito do manto negro, dois olhos ameaçadores, alinhados acima dos longos caninos que se uniam a um nariz, davam forma ao misterioso símbolo do mago negro, que representava o gigante javali selvagem que o acompanhava.
Mesmo com aquela máscara, Odero sabia que o mago negro o encarava. As mãos estavam para trás, aguardando. Ao se aproximar um pouco mais, Odero pôde perceber que a respiração da criatura de aparência agressiva era alta e disforme.
— Quem é você? E por que me ataca assim? — indagou Odero cautelosamente.
A figura negra ficou muda.
— Por que atacar meu castelo? Você poderia simplesmente me convidar para um duelo como um nobre mago deve fazer.
Para os quatro que assistiam à cena, apenas o tique-taque do relógio continuava a ser ouvido.
— Não me importo com o que você acredita que seja correto — disse o mago negro secamente com uma voz extremamente grossa e abafada, quebrando o silêncio e revelando finalmente a sua voz — de qualquer forma, magos nobres são fracos.
— Se é o que pensa... — disse Odero esquivando-se da provocação. — Qual o motivo de seu ataque?
O mago negro simplesmente não respondeu. Deixou que o barulho do vento zunisse novamente aos ouvidos de Odero no lugar de sua grosseira voz.
— Quer meus artefatos? Meu castelo?
— Que seja... — disse o mago negro com grande desprezo.
— Não espere que lhe entregue tudo facilmente...
— Não espero que me entregue nada... prefiro tomar à força!
— Então, se você quer um duelo, é o que terá.
O mago negro finalmente colocou as mãos na frente do corpo, revelando os estigmas que brilhavam sensivelmente, assim como os de Odero.
Percebendo que o confronto seria inevitável para defender as pessoas que moravam em suas terras e tudo o que zelava, o calvo mago afastou-se vagarosamente, dando espaço para seu gigante réptil albino se colocar à sua frente. O estranho também recuou, e o javali selvagem adiantou-se. As criaturas divinas estavam prontas para o duelo.
A criatura do mago negro agachou-se e, com um poderoso arranque, correu em direção à gigante serpente, fazendo a terra trepidar. A criatura de Odero disparou lateralmente ao seu adversário, e da enorme boca do réptil, um ar gelado e constante que parecia congelar o próprio ar era jogado em direção à fera.
O javali gigante desviava-se habilmente e, com enorme destreza e velocidade, continuava a caçar a serpente, aproximando-se cada vez mais, mesmo sentindo-se incomodado pelo ataque gelado que não cessava.
“Por ser uma criatura divina que regurgita bolas de fogo, ela fará de tudo para não ser atingida por ar tão úmido e gelado”, pensou Odero.
O javali era rápido e estava cada vez mais próximo da serpente. Odero percebeu que se os braços fortes do gigante inimigo agarrassem o pescoço de sua criatura divina, a derrota seria inevitável. O mago não viu outra saída e resolveu interromper o ataque que permitia a criatura inimiga esperar por uma brecha para agarrar a serpente, para também se arriscar ao tentar aplicar um enforcamento. Se sua serpente conseguisse executar o movimento correto, certamente levaria vantagem no combate corpo-a-corpo.
Com um novo pensamento, Odero ordenou que sua serpente tentasse.
Para surpresa do mago negro, repentinamente a serpente albina cessou o jato de ar congelante e moveu-se velozmente. Foi um movimento arriscado, porém preciso. Com um bote seguido de um pulo em espiral, o corpo da serpente enrolou-se no pescoço do rival.
Os corpos trombavam-se com o conflito. O contato das poderosas criaturas era violento e intenso. O chão tremia. Entre o mago negro e Odero as duas criaturas mediam forças.
O gigante javali tentava afastar, em vão, o esguio e energético corpo da serpente enrolada ao redor de seu pescoço. A criatura do mago negro tinha a impressão de que o titânico aperto poderia separar a cabeça de seu corpo a qualquer segundo. O javali contorcia-se. Os sons abafados que saíam pela boca da criatura do mago negro demonstravam claramente que estava sofrendo com o enforcamento aplicado pelo oponente.
As garras do javali selvagem encontravam as lisas escamas da serpente. Afundavam sobre elas, causando profundos cortes sobre o corpo branco.
A serpente albina ignorava a dor dos cortes e persistia, continuando a apertar o rival. Muitos cortes causados pelas afiadas garras do javali surgiam sobre as escamas brancas, tingindo-as de vermelho.
As feridas pareciam não causar o efeito desejado pelo javali do mago negro, que estava perdendo o duelo. Começou a mostrar desespero em seus movimentos, atirando-se ao chão e esmurrando em vão o resistente corpo da criatura de Odero. Muitos minutos se passaram naquela situação. A criatura do mago negro cederia entregando sua vida em breve.
Odero dava ordens mentais para sua criatura. Para agüentar firme, estava quase no fim. Enquanto este se concentrava exclusivamente no combate das criaturas, o mago negro rapidamente executou dois encantamentos seqüenciais. Apontando uma de suas mãos para uma grande árvore de tronco fino ao seu lado e fechando os dedos contra a palma de sua mão, partiu o tronco da árvore ao meio com o feitiço quebrar. E com o feitiço lançar, fez com que o fino pedaço de tronco voasse em direção às criaturas, de acordo com sua vontade acintosa.
A grande lança de madeira improvisada pelo mago negro atravessou a região logo abaixo da boca da serpente. Um longo guincho melancólico ecoou. O javali selvagem, que estava praticamente sem reações, sentiu a enorme pressão em sua garganta afrouxar.
Odero desesperou-se. Mesmo percebendo o que o mago negro acabara de fazer, não queria acreditar que aquilo estava acontecendo. Olhou rapidamente para a palma das mãos. Os estigmas que demonstravam o vínculo com sua criatura divina apagaram-se lentamente e, como se sua carne pudesse restaurar feridas em segundos, cresceu até encher as profundas cicatrizes e reconstituírem-se. Os estigmas haviam sumido, como se nunca estivessem ali. Odero conferiu as costas das mãos e verificou que haviam sumido também.
Após tossir muito e parar de cambalear, a criatura do mago negro ficou em pé vagarosamente, recuperando parte das forças. A serpente albina escorregou mole pelo corpo de seu adversário, com o tronco atravessado em sua garganta, sem demonstrar nenhum sinal de vida.
— NÃO! — gritou Odero desesperado. — SEU MALDITO COVARDE! — continuou a berrar o velho mago, não acreditando ao ver sua criatura mole e esparramada no solo regado pelo sangue do réptil.
O mago negro apenas observava indiferente.
— COMO OUSA INTERFERIR NO DUELO DAS CRIATURAS DIVINAS? — gritou Odero, enquanto sentia a raiva invadir seu coração. Um mago deveria ser nobre. Não poderia haver trapaças em um confronto. E interferir em um duelo entre criaturas divinas era um ato totalmente desleal e covarde para qualquer mago.
O javali selvagem, sentindo-se totalmente recuperado, pegou o inerte ofídio pela cabeça e urrou longamente para cima. Jogo-o de volta ao chão, arrancou o pedaço de madeira atravessado na garganta e golpeou diversas vezes o corpo branco da criatura divina de Odero. O sangue espalhava-se pela carcaça cada vez mais maltratada da serpente albina e espirrava sobre o javali, encharcando-o de sangue, e ele parecia se divertir com isso.
Odero sentiu a dor em seu peito remoê-lo. Não se conformava com o que acabara de acontecer com sua fiel criatura. Ela sempre estivera ao seu lado, ajudando-o, mas agora jazia morta.
— COVARDE! COVARDE! É O QUE VOCÊ É! MALDITO! — gritava Odero, enquanto lágrimas brotavam de seus olhos e escorriam pelo seu rosto inconformado.
Como poderia perder o duelo para um ser desprezível e sem honra como aquele? Odero tentava imaginar quantos humanos sofreriam com sua derrota. Não poderia deixar aquilo acontecer... tinha de fazer algo. Precisava superar as dificuldades que a situação lhe impunha.
O enlouquecido javali selvagem cessou seus golpes. Olhou para seu mestre. Uma ordem do mago negro, enviada por pensamento, deixou claro qual deveria ser seu próximo movimento.
Odero aguardava estático. Sentia a fúria circular agressivamente dentro de seu coração. As mãos fechadas apertavam-se mais e mais. O sangue parecia queimar ao correr pelas veias de seu corpo.
A criatura aproximou-se velozmente e desferiu um poderoso golpe por cima da cabeça do furioso mago. Rapidamente, Odero utilizou o feitiço escudo de luz, criando um grande escudo mágico que emanava uma luz azul cristalina, bloqueando o ataque direto. O choque produziu uma explosão de luzes. Odero sentiu seus pés afundar no firme solo. Outros golpes foram desferidos, fazendo o escudo de luz oscilar. Quantos golpes mais ele poderia suportar? A energia espiritual de Odero era extinta rapidamente, tamanha a brutalidade da investida. Após suportar um novo ataque do javali e perceber uma brecha no tempo entre os poderosos golpes, Odero disparou, com enorme destreza, sobre o peito do gigante javali, o encantamento paralisia.
A criatura imobilizou-se. Mexia os olhos freneticamente e emanava rugidos de impaciência com a boca semi-aberta.
Odero percebeu que o mago negro se moveu rapidamente em sua direção. Provavelmente o vilão não queria dar tempo para Odero matar sua criatura e equilibrar a disputa mortal.
Aos gritos, Odero correu ao encontro do misterioso mago negro. Imaginando que seu oponente bloquearia seu ataque com um encantamento de defesa, decidiu arriscar tudo com o feitiço feixe fatal, que sugaria toda sua energia espiritual e parte de sua energia vital, porém, Odero sabia que aquele encantamento tinha por característica não poder ser bloqueado. Nenhum mago nunca tinha conseguido parar o feixe fatal, e não seria aquele mago covarde que conseguiria mérito por tal façanha.
“É minha única e arriscada tentativa, tem de dar certo...”, pensou Odero, com a certeza de que deveria acabar com o sujo mago à sua frente sem o mínimo perdão, ao se lembrar da forma inaceitável que o mago negro havia matado sua fiel criatura divina.
Sabendo que aquela seria a única chance de derrubá-lo, Odero concentrou-se e executou o feitiço juntamente com um grito que demonstrava o ódio que sentia por seu oponente. O arrasador feixe avançou rapidamente em direção ao detestável inimigo.
O mago negro percebeu a força cavalar do ataque. Utilizando sua energia espiritual, concentrou-a nas pernas e realizou o feitiço salto descomunal, que lhe proporcionou um poderoso impulso. O vilão conseguiu, no momento exato, um salto extremamente alto que o desviou do rápido feixe, salvando-o do contato direto com a energia mortal despejada pelo furioso mago.
Odero viu um vulto negro saltar e passar sobre sua cabeça. Sentiu o corpo fraquejar quando o feixe abandonou suas mãos. Não acreditou que aquilo estava lhe acontecendo. Estava perdido. Não deveria ter se precipitado.
Odero ajoelhou-se e deixou a cabeça tombar para a frente. O mago negro caiu suavemente às suas costas.
A respiração ofegante de Odero denunciava sua fraqueza. Tudo o que restava de sua energia espiritual havia sido desperdiçada em seu último ataque, e sentia-se extremamente fraco por perder parte de sua energia vital após executar o feitiço.
— Era isso o que... queria?
— Ainda não. Você não está morto — falou o misterioso mago negro com sua voz nada comum.
— Então... — Odero teve suas palavras interrompidas para tentar puxar o ar que lhe faltava. — Responda apenas a uma perg...
— Não lhe devo respostas! — disse o vilão vestido de negro rispidamente, interrompendo as palavras quase apagadas de Odero.
— Quem é você?
— Basta você saber que foi derrotado. Não precisa do meu nome para morrer. Precisa? — perguntou o mago negro sarcasticamente, em pé, olhando para a nuca de Odero.
— Agiu como um... covarde. Não é digno desta vitória.
— Como aconteceu não é importante. O resultado a meu favor é o que realmente importa.
— MALDI...
Antes que Odero pudesse finalizar seu último grito de fúria, o mago negro desferiu o feitiço misericórdia. Uma carga de energia atingiu as costas de Odero, que foi arremessado por vários metros devido ao violento impacto causado pelo feitiço. O azul do manto de Odero misturou-se com o vermelho do sangue que era sugado pelo tecido.
O mago negro bateu as mãos fortemente enquanto se dirigia até o seu paralisado javali selvagem. Instantaneamente seus dedos brilharam de forma tímida, e, com as duas mãos, tocou o corpo de sua criatura divina. Havia executado o encantamento cancela.
O mago negro aguardou até ela voltar a se mover. A criatura caminhou até o corpo de Odero, levantando-o de forma descuidada pela perna. Em seguida, dirigiu-se até o corpo da serpente albina, jogou-a por cima de seu forte ombro, e ambos, o mago negro e seu javali, iniciaram a caminhada à vila, dando as costas para o portão que guardava a entrada do castelo.
O símbolo de Odero já sumira da madeira que compunha o gigante portão, dando lugar para o símbolo do javali selvagem. A partir daquele momento, qualquer um seria capaz de perceber que aqueles domínios pertenciam a outro mago, e não mais ao recém-derrotado Odero.